Deus estava em uma cabana em frente a um mar paradisíaco, sendo acariciado pelas lufadas de vento refrescante e iluminado pelos feixes revigorantes do sol enfático e sisudo. O onisciente e divinal ser estava, como de praxe, ouvindo as orações de suas criaturas mais bem feitas. Pedidos de todas as espécies; uns dignos de serem ignorados, outros dignos de lágrimas celestiais, chegavam aos ouvidos do Todo-Poderoso, que as ouvia sem discriminação, com toda a atenção do mundo. Ao passo que surgiu de repente um grito meio fanhoso, seguido de uma risada sarcástica e ao mesmo tempo ridícula. Era o Diabo.
- Como é que vai, ó criatura desocupada? Perguntou o tinhoso.
- Eu sou o bem. Respondeu Deus, de uma forma que nem um mortal poderia distinguir, pois pra uns fatalmente passaria-se a idéia de indiferença, e para outros a idéia de sarcasmo (?).
- Hoje eu não vim te perguntar nada. Toda vez que eu te pergunto, tu sempre respondes de uma forma que me leve a pensar que eu já sabia a resposta. Então, pra poupar enxofre, vou falar logo tudo o que vim te dizer, e depois, caso queira botar pra trabalhar suas pregas vocais perfeitas, faça como quiser.
- Em primeiro lugar, - continuou o Beusebú - queria te dizer que...
O Diabo não conseguiu continuar seu discurso, seja lá o que fosse dizer. De repente ele percebeu que é inútil fazer até mesmo o melhor discurso do mundo, pois, em primeiro lugar, o Amor Maior já sabia tudo o que ele iria dizer antes mesmo de ele pensar em dizer, e em segundo lugar, qualquer argumento que fosse usar não seria o suficiente para convencer o ser mais poderoso do universo do contrário, pois Deus é a personificação da verdade.
Na fração de segundo em que ele pensou tudo isso, Deus não mexeu um fio de cabelo sequer. O Diabo exporia toda a sua revolta por estar imerso num mundo entediante que está cada dia mais submisso às propostas diabólicas. De repente, passou pela cabeça do Cão dos Infernos que toda aquela manipulação inerente à sua vida, a que ele faz contra a humanidade a cada dia mais e a que ele mesmo sofre de Deus, seria uma grande contradição, uma vez que é pregado aos quatros ventos o livre arbítrio das pessoas.
Mas antes de provocar e fazer piadinhas, o tédio acometeu o tinhoso, seja pela calmaria daquele lugar perfeito, seja pela resposta magnificamente revoltante que ele certamente ouviria, seja - até mesmo - pela incapacidade do Demônio em se rebelar de fato contra isso. Nisso, o Diabo desceu ao fogo do Inferno.
No um segundo que separou a última fala do Mal maior e seu respectivo sumiço, Deus teve tempo de erguer os dedos da mão direita e acenar dando um perfeito até logo.
De repente, emanando feixes incandescentes de luz, o Diabo surgiu com o rosto repleto de ódio e os olhos lacrimejantes e gritando:
- Eu sou a criatura mais infeliz do mundo mesmo, sabia? Sabia seu desgraçado? Sabe por quê? Sabe por quê?! Porque eu sei que apesar de tudo o que eu fizer, eu nunca conseguirei te matar. Se por um segundo; apenas um segundo eu tivesse a certeza que poderia te matar, ou te causar alguma dor, nem que eu tivesse que trocar minha vida por isso eu o faria.
A essa altura o Capeta já estava próximo de Deus, quase de joelhos e berrando tão alto que no mais profundo lugar do inferno se podia perceber a aflição da Besta Fera. Mas de repente Deus moveu o olhar da longitude infinita em direção ao Diabo, e fitou seus olhos como não fitava desde que empurrou ladeira abaixo Lúcifer para o Inferno. O aconchego penetrante causado por um único olhar do Todo-poderoso foi suficiente para deixar o Beusebú tão incomodado com a paz de espírito que uma espécie de vergonha por si mesmo assolou o Inimigo. Sem dizer nada o Diabo desceu mais uma vez.
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Outros momentos de Deus e o Diabo:
Um comentário:
Oi Eraldo!
Ótimo texto, muitíssimo bem construído. A narrativa se dá de tal forma, que é possível visualizar a cena. Gostei bastante, é bem marcante, dá uma dimensão bem definida do bem e do mal.
Beijoca!
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