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segunda-feira, 30 de abril de 2012

A Carta


Semana passada, mais precisamente na terça dia 24, eu fui cobri a maior tragédia que já presenciei. Nove pessoas morreram em um acidente horrível numa estrada que liga a Grande Belém ao interior. Tive meia hora pra traduzir o que vivenciei por mais de uma hora, num local recheado de dor, morte, e ao mesmo tempo de solidariedade e de gente viva, na tradução mais intensa que possa existir. Até agora, nesses quatro meses de jornalismo, foi o texto que eu mais gostei de ter escrito (Acidente mata 9 e fere 14 na Alça Viária.)

No dia seguinte eu fui enviado pelo jornal até a cidade das vítimas. Fui com o fotógrafo Sidney, mais experiente e muito bom profissional, e o motorista Gerson, que conhecia muito bem a cidade e foi um apoio e tanto. De lá escrevi a repercussão da tragédia na cidade (Tragédia comove milhares em Tailândia) e o velório e enterro de algumas das pessoas que havia visto mortas (Adeus às vítimas da Alça Viária). Também dei dois furos importantíssimos, nessa última matéria: o fato de que um dos motoristas, o que não teve culpa, sobreviveu quando todos achavam que ele tinha morrido, e o motorista do micro-ônibus, o irresponsável, que, além de ser acusado de ter provocado as mortes, ainda é sargento dos bombeiros.

O resultado veio em uma carta que um leitor enviou ao jornal, parabenizando as matérias. No primeiro momento, achei que seria muita presunção ficar falando disso. Por outro lado, a carta foi publicada no jornal em que trabalho, no último domingo. Portanto, não fui eu quem a divulguei, e seria muito esnobe de minha parte achar que isso não é bom o suficiente que não mereça ser comemorado. Por isso, partilho com vocês a carta que ele enviou. Quem quiser ver as fotos e a edição como ela foi feita, pode procurar matérias no caderno de Polícia nos dias 25 e 26/04 e no caderno de Cidades no dia 27/04 (cuja foto de capa, é uma das fotos mais impressionantes que já vi publicada nos últimos tempos, na mesma que exibo aqui) na edição eletrônica disponibilizada no canto superior direito no site do jornal.

Publicação da carta
UMA VERDADEIRA AULA DE JORNALISMO

Carta ao leitor publicada no último domingo (29) e escrita pelo professor Marcelo Andrade.

Acompanhei, com grande atenção, a excelente cobertura que o DIÁRIO deu ao acidente na Alça Viária, em que morreram 9 pessoas  de Tailândia. Quem leu as páginas e páginas dedicadas à tragédia certamente teve a impressão de estar lá, ao vivo, conferindo o que os jornalistas tão bem traduziram em textos e imagens.

E o que mais me impressionou foi o fato do motorista da carreta ter escapado com vida, sendo a que cabine do veículo foi destruída, esmagada. E as palavras dele disseram tudo: "Só pode ter sido coisa de Deus". Por outro lado, impossível não se comover com a dor das famílias que perderam seus entes queridos. Também me emocionei com a história daquele senhor que perdeu a esposa no acidente e sobreviveu, em meio àquele pesadelo.Disse ele que só lembra do choque, da batida e dos gritos de dor e horror à colisão. E lá pelas tantas os vários corpos, já sem vida, que ainda caíram por cima dele.

Certamente imagens que ele jamais vai esquecer. Assim é a vida: uns morrem, outros escapam, outros nascem de novo. E o que fica é a lembrança, a saudade, o afeto. E é nessas horas que a gente se questiona: Por que o destino parece tão injusto para alguns, que partem de forma tão violenta?

Na verdade, por mais que saibamos que vamos partir um dia, não estamos preparados para isso. E toda essa reflexão me veio a cada dia, a cada página, a cada palavra que li no DIÁRIO sobre a tragédia.

Confesso que não sou muito de ler as notícias policiais, mas o material foi tão bem produzido, escrito e editado que acompanhei a sequencia do trabalho e não me arrependi. Trata-se de um verdadeiro testemunho de momentos difíceis e superação a partir de um trabalho bem feito.

Como já disse, não sou muito de acompanhar o caderno com as notícias policiais, entretanto, já guardei em uma pasta as páginas sobre esse acidente e seu desdobramento. Um trabalho tão bem cuidado merece ser cuidado e novamente lido de tempos em tempos. Parabéns.

domingo, 22 de abril de 2012

Descoberto há 512 anos

"Nos deram espelhos
e vimos um mundo doente"
(Renato Russo)

O Brasil está descoberto há 512 anos...

... de transparência institucional
... de respeito aos povos originários
... de humanismo para com os filhos da Mãe África
... de governantes que não se rendam às potências internacionais
... de leis independentes em relação ao moralismo religioso
... de distribuição das riquezas para quem as produz

... de ... vergonha na cara.

O resumo dessa história, eu conto parafraseando Frei Betto:

Dom Pedro I abriu os portos, JK abriu as portas e FHC abriu as pernas... que Lula e Dilma não fecharam.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Via Sacra dos Cristos de agora 2


1ª Estação: Jesus é condenado a morrer na cruz.
Messias, uma criança de nove anos, é diagnosticado com câncer no estômago. Morador de Bom Destino, cidade localizada no interior do Pará, ele nem ao menos sabe o que é essa doença.

2ª Estação: Jesus toma sua cruz.
Não há leito. A mãe não tem nenhum parente em Belém. Ela passa a subir nos coletivos para pedir ajuda. O filho fica deitado numa maca no corredor do hospital. A mãe volta. O dinheiro arrecadado mal dá pra comprar os remédios.

3ª Estação: Jesus cai pela primeira vez.
Messias se contorce de dor. A mãe chora. Os enfermeiros, sem muito a fazer, olham e tentam ignorar. A criança se sente culpada pelas lágrimas da mãe. “Prometo que não vou mais comer besteira”, fala enquanto a dor o dilacera.

4ª Estação: Maria acompanha Jesus no calvário.
A mãe sai gritando pelo hospital que pelo amor de Deus parem a dor do filho dela. Depois de mais de duas horas uma dose de morfina é aplicada no garoto, ao mesmo que, na TV, o governo propagandeia mais investimentos na saúde.

5ª Estação: Cirineu ajuda Jesus a se levantar.
Pela manhã um grupo de voluntários alegra a manhã das crianças. Messias ri. Por alguns instantes ele não se sente num hospital do SUS.

6ª Estação: Verônica enxuga as lágrimas de Jesus.
A mãe de um paciente que está internado se compadece da criança e compra remédios para aliviar as dores de Messias. 

7ª Estação: Jesus cai pela segunda vez.
Messias consegue um leito. Entretanto, após nova avaliação os médicos detectam que a doença avançou pelo organismo dele.

8ª Estação: Jesus cuida das mulheres.
“Mãe, a senhora pode voltar pra casa pra dormir na sua cama, se quiser. Eu já tô melhor”, roga à mãe, que pede licença e vai chorar escondida no banheiro.

9ª Estação: Jesus cai pela terceira vez.
Há poucos remédios no hospital. Sem que a família de Messias saiba, os médicos selecionam os pacientes em melhor grau de doença para que sejam investidos os recursos escassos.  Messias não é um deles.

10ª Estação: Jesus é despido de suas vestes.
O garoto vai ao banheiro com ajuda da mãe. Alguém havia esquecido um espelho lá. Messias se vê. Fica chocado ao perceber-se tão magro e acabado. Ele se sente doente como nunca antes.

11ª Estação: Jesus é pregado na cruz.
Os médicos avisam à mãe de Messias que ele, desenganado, deve voltar para casa. Messias, apesar de quase não conseguir comer, fica muito feliz de poder voltar para casa, e não entende porque a mãe não demonstra o mesmo entusiasmo.

12ª Estação: Jesus morre na cruz.
A mãe consegue uma ambulância para levá-lo de volta. Ela reza para que o filho morra só quando ela tiver chegado em casa, para repartir a dor com os parentes e amigos. O carro balança muito. Messias treme um pouco. A ambulância vai, mas Messias vai antes.

13ª Estação: Jesus é descido da cruz.
Messias saiu de Bom Destino com dores no estômago e volta morto dentro de uma ambulância. O mundo desaba quando o corpo sai do carro. Toda a comunidade chora.

14ª Estação: Jesus é sepultado.
O caixão é pequeno. A dor imensa. Lágrimas descem e corpos desmaiam enquanto a terra cai sobre a caixa de madeira.

15ª Estação: Jesus ressuscita dos mortos.
A cidade, com apoio inclusive da prefeitura, faz protesto com repercussão nacional para que a saúde se difunda sobre aquelas terras empobrecidas. O nome do Messias fica gravado numa das ruas de Bom Destino. O governo divulga nota, ao final do noticiário, dizendo que o investimento em saúde no Estado é 10 vezes maior do que no governo anterior. Porém, as filas e o descaso desumanos nos hospitais públicos (e privados) também contam sua própria versão dos fatos.