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quarta-feira, 28 de julho de 2010

O jardim, o muro e o quintal ou As lutas de classe na pós-modernidade


A vida é divida por um imenso muro. Em cada lado um extremo. Para um canto, um jardim ensolarado e sorridente; para o outro, um quintal soturno e imundo. E no meio do muro, caminham quase todas as criaturas medrosas e manipuláves, bípedes e míopes, que morrem de medo de tomar qualquer posição que as tire da condição de pessoas que brincam de ser felizes e fogem incessantemente da dor para/com e pelo bem do Deus-mercado.

Embora tanto os habitantes do jardim como os ocupantes do quintal precisem de quem está em cima do muro para conseguirem aplicar seu plano de poder, quem habita o lugar mais perto do céu, nas alturas dos tijolos, não se importa muito com nada disso desde que continue se divertindo. E o problema não está no sim ou no não, mas no talvez. E o que seria da lei se não fosse o pecado? Haveria o oi sem o tchau? O problema, de fato, reside mesmo no radicalismo dos moderados.

É óbvio que o muro não interessa a quem está na lama, pois quem está na lama quer mais é chegar no lugar abastado. O muro, como não poderia deixar de ser, serve a quem domina o jardim. Os proprietários do jardim permitem que um ou outro habitante do muro visite ou passe a morar lá, desde que os verdadeiros jardineiros continuem no quintal, ainda que toda a beleza daquele paraíso só exista por causa do suor daqueles trabalhadores. O muro, portanto, é mais do que um refúgio. É uma barreira de proteção, que precisa permanecer assim para que não desabe por sobre a realeza no jardim.

Na verdade, o muro não é o melhor refúgio que existe. Muitos reclamam dos buracos e da falta de acabamento que assola quase toda a extensão da covardia acimentada. Mas, para o desespero dos jardineiros, consertam-se os buracos, reparam-se as pinturas, sem haver no muro quem ouse questionar o próprio muro. O sonho dos jardineiros é que os próprios murenses ajudassem-nos a destruir o muro; para os moradores do jardim, não haveria jardim sem muro. E para quem está em cima do muro... tanto faz. Eis o momento, portando em que não tomar posição torna-se uma tomada de lado da forma mais eficaz e imbecil possível.

"Aqueles que não gostam de política
são dominados por aqueles que gostam"
(Frei Betto)
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Imagem extraída do blog http//:3.bp.blogspot.com

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Galos, Noites e Quintais - Aventura 3

DESVENTURAS DO MEU PRIMEIRO BEIJO

Eu já contei aqui que comecei a sair regularmente para a rua já com sete ou oito anos. Nessa idade os meninos e as meninas com quem convivi já estavam cobras criadas. É impressionante o nível de maturidade de uma criança da periferia em relação aos "meninos de prédio"*, principalmente no quesito sexualidade. Até então a única noção que tinha sobre sexo descobri lendo lgumas revistas pornôs do papai que achava escondidas embaixo do colchão. No primeiro momento, aquelas imagens pareciam mais uma agressão do homem contra a mulher.

Mas eis que, numa festa organizada por meu tio, um amigo meu e eu brincávamos com uma menina já conhecida dele, mas não minha. A vi pela primeira vez ali naquele quintal enorme. Brincamos a tarde toda de namorar com ela, e disputávamos pra ver quem a ganharia de fato. Brincando disso. Nós três. E nos divertimos muito esta tarde.

No outro dia pela manhã, quando chegava da escola, minha mãe disse que a minha namorada estava me esperando no quintal. O.o Como assim namorada? Minha única noção sobre namoro era que namorados se beijavam. Além disso, eu nunca tinha pensado em ter uma namorada de verdade. Meio desesperadamente, do portão de casa até o quintal onde ela me aguardava eu pensava: "Por que ela não resolveu namorar de verdade com o outro?" Como me livraria dela?

Claro que minha mãe não se importou com o fato de ter uma menina me esperando no quintal, afinal ela é super machista ("prendam suas cabritas, pois meus bodes estão soltos"). Mas eu me importava. Não entendia de namoro mas não queria ter uma namorada, só não sabia como dizer à minha "namorada " isso. No fim das contas, passamos a manhã quase toda juntos. Eu sem graça, ela com aquela cara estranha de entusiasmo. Até que voltamos ao mesmo quintal onde nos conhecemos, onde morava um amigo meu mais velho. Arrumei algo pra ela fazer, não lembro o quê. Minha estratégia era deixá-la distraída enquanto tentava descobrir com um cara mais velho como me livrar dela.

- Ailton, ela tá dizendo que é minha namorada. Mas não quero namorar com ela. O que eu faço?

- É simples, Agô, fala pra ela que tu só namora se ela deixar tu comer ela.

Eu não sabia o que era comer, mas achei uma ótima estratégia (afinal não tinha outra mesmo). Então a levei para o banheiro da casa dele (localizada nos fundos da casa, na verdade), como me foi sugerido, e falei exatamente como me disse: "só namoro contigo se tu deixar eu te comer". Percebi que não foi a coisa mais esperta do mundo quando ela arriou a saia e a calcinha na minha frente com a maior naturalidade do mundo e disse "tá". Quando ela abriu um pouco as pernas e encostou na parede, eu lembrei daquelas revistas do papai e olhei para a minha "arma de agressão"  mais encolhida do que meu ego ao me perceber "vítima de uma sacanagem". O detalhe interessante da cena é ela na minha frente nua e eu olhando por dentro do meu short o meu pênis mole, mole, enquanto tentava desesperadamente encontrar uma saída.

Só consegui foi dizer a ela que não ia fazer aquilo porque não queria namorar, por isso seria sacanagem (deveria ter dito isso antes, mas tenho extrema dificuldade pra dizer não). Porém pedi pra não dizer contar a ninguém minha "falha". Finalmente, para compensar tudo eu daria um beijo nela. Ela topou. Vestiu-se tão naturalmente quanto se despiu e eu, pra beijá-la, fiz aquele biquinho de selinho e fui em direção à boca dela (ridículo, né?). Quando eu dei por mim ela já tava com a língua dela fincada na minha boca e eu lá chupando. Ou seja, por muito pouco no mesmo dia do meu primeiro beijo também não deixei de ser P.V. Foi minha primeira broxada também. A menina deveria ter uns nove anos e eu uns sete. Ela já havia transado com pelo menos uns cinco meninos e eu nem batia punheta ainda. Obviamente ela contou pra todos os meus amigos minha moleza e no outro dia ela foi trepar com o outro namorado da brincadeira. Eu, sinceramente, na época não entendia patavinas daquela malhação sofrida durante algumas semanas. Nem me importar eu conseguia. Hoje em dia dizer "só se eu te comer" é tão difícil de dar certo...

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*Expressão que aprendi com minha amiga Sara Portal.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Entre as paredes do quarto


Os extremos são amantes que jamais mantém coito, eles fodem mesmo
fodem com a vontade de quem fode com(o) a evolução natural do carinho
gozam ainda que carreguem a culpa por qualquer pecado inventado
e gozam mesmo, sabendo que o prazer reprimido é prazer otimizado, melhorado, estimulado

Para os amantes que admitem na mais profunda razão e loucura que são safados
A safadeza não é a barreira que atrapalha
mas o estímulo que os faz suar frio

O pecado e a lei dividem as paredes do quarto
entre o espelho no teto e a cama redonda, a culpa é a melodia cantada em gemidos
O pecado e a lei repartem as paredes do quarto
entre o espelho no teto e a cama redonda estão mais do que o marido e a mulher
lá estão antes namorado e namorada, cueca e calcinha, pau e buceta
Carinho e Safadeza.

O pecado e a lei nasceram juntos
Morrerão juntos
E nós
tu e eu
extremo e extrema
gozaremos juntos até essa hora chegar.

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Imagem: http://semeaduradeluz.blogspot.com

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Eu, tu e a terceira pessoa ou A despedida

- O que estás fazendo?

- Eu estou chorando, como podes ver.

- Por que tu estás fazendo isso?
- Pelo mesmo motivo que tu. Ou essa fala engasgada e esse olhar lacrimoso mentem?

- Eu vou casar com ele. Estou muito nervosa, com muito medo, mas nesse momento sei que farei a coisa certa.

- Podes me pedir todo o cosmo que por mais que eu sue para catar de astro a astro eu ainda assim te entregaria sorrindo, mas não me peça para te dar força nisso. Eu te amo demais pra te prender, e seria realmente torturante saber que um inbecil sortudo teve a ousadia de te fazer infeliz, por isso, o meu desejo incondicional que sejas feliz permite-me dizer sinceramente que espero que dê certo, e nada mais que isso.


- Você sabe que desde que te conheci a incerteza é minha mucama, ainda que a escrava da dúvida não seja ninguém melhor do que eu. No baile da minha consciência dançam sem música alguma a felicidade e o desespero incessantemente, mas eu tive mesmo assim que fazer uma escolha...

- Sei que no fundo gostarias que eu fizesse como ele. Te batesse, chorasse, entrasse em desespero ou coisa assim, mas recomendo que desistas, se for o caso. No meu quintal jamais faltou cantoria de pássaros, mas jamais houve uma gaiola. Não sou da tua classe como ele, não sou tão lindo como ele, tua família não me aceita como aceita a ele, mas sei que o nosso problema, no fundo, não está com ele...

- Nós dois sabemos que eu sou uma covarde.

- Não me entenda mal. Sei que cada um decifra o indecifrável de si mesmo. Ainda que concordasse que você é covarde, ainda assim não a condenaria. Se fazes isso é porque sente-se melhor dessa forma. Só uma pessoa muito imbecil pra discordar de sentimentos.


- Pensei em várias formas de desenhar, dançar, cantar ou até mesmo berrar o que vim te dizer aqui, mas não consegui achar forma melhor para dizer do que falar simplesmente que te amo.

- Eu sei, apesar de tudo, que me amas. Eu também te amo de uma forma que Paulo ficaria feliz de ver, pois meu amor por ti tudo suporta, nada inveja e nada toma de assalto para si. Mas nada disso me impede de chorar.

- Você é a melhor pessoa que um dia eu já tive. Vou viver esse momento com outro, porque no labirinto da vida esse é o melhor caminho que encontrei para a felicidade. Não tenho realmente forças para suportar a felicidade e a angústia que seria ficar contigo. Se é minha covardia que é gigante ou meu amor que não é tão imenso assim ou ainda que meu amor por ele é maior, penso que só poderei descobrir vivendo, dando um passo de cada vez.

- Existe algum final melhor do que tchau para isso?
Pois não suporto mais falar sobre isso em voz alta. Já não basta o que ficarei falando comigo mesmo no silêncio de minhas insônias vindouras...

- Sim, há uma coisa:



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Imagem: Google.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Pena de Dumbo


"As pessoas tem que acreditar
em coisas invisíveis pra fazer o bem
Tudo o que se vê não é suficiente
E a gente sempre evoca o nome de alguém"
(John - Pato Fu)

Quando era criança, lembro de ter visto o filme do Dumbo, um elefante que tinha as orelhas tão grandes que com elas podia voar. O filme mostra que alguns corvos percebem que aquele defeito (orelhas enormes) do elefantinho poderia tornar-se em uma grande virtude, mas não conseguiam convencer o animal depressivo disso. Para tanto, os corvos deram uma pena qualquer para o Dumbo, e convenceram-no de que aquela pena tinha poderes mágicos, e com ela ele poderia voar, bastando que ele batesse as enormes orelhas como asas. Funcionou. O elefante aprendeu a voar acreditando no poder da pena. Mas na hora da apresentação ao público da façanha, o elefante perdeu a pena, daí os corvos tiveram que convencerem-no de que a pena era uma mentira, e que na verdade o elefante voava porque simplesmente tinha essa capacidade. E com muito custo conseguiram, inclusive.

Para mim, essa história é o arquétipo das religiões, que utilizam simbologias para convencer os fiéis a fazerem o bem. Na verdade, gostaria de associar a estória do Dumbo ao processo de amadurecimento na fé. Pois, pergunto eu, como já perguntei antes aqui inclusive: Se inventássemos uma máquina do tempo para voltarmos dois mil anos atrás e descobríssemos que Jesus não ressuscitou ao terceiro dia e nem fez todos aqueles milagres tal como a Bíblia diz, será que ainda restariam muitos cristãos na face da terra? Provavelmente não.

Os corvos poderiam arranjar qualquer pena e dar ao Dumbo, e com isso continuar enrolando o "cara". Mas não. Preferiram revelar a verdade num gesto de amor. Entretanto, as religiões quase nunca fazem isso. Elas se apegam (e fazem apegar) mais à pena do que com a superação pessoal e social dos fiéis. A pena, ao invés de ser instrumento de um vôo libertador então acaba sendo um instrumento de dominação, segregação, e, por que não dizer, de burrificação. Toda fé que não amadurece ao ponto de perceber que a pena é uma mentira (bem intencionada ou não) é uma fé burrificada, superficial e demasiadamente apegada à instalação hidráulica em detrimento da água.

Um pastor que admiro muito (Carlos da Igreja Metodista) certa feita disse que a maior descoberta da vida dele foi perceber que Deus não é cristão. Está certo ele. Deus não é cristão, não é islâmico, não é hindú, etc. As religiões são dispensáveis. Deus não é, se for um Deus que até usa a estratégia da pena, mas que no fim contribui para que seu amigo (isso mesmo) voe por si só, mas não para si só, que seja verdadeiro e lute pelo que é verdadeiro, que tenha fé mas não renegue a inteligência. Se na tua igreja não te disseram que Adão e Eva e toda a bíblia são metáforas da vida e não A VERDADE ABSOLUTA, por exemplo, desconfie. Podem estar querendo que tu fiques dependente da pena, pra que na verdade tu fiques na mão de corvos malvados.

"É certo que milagre pode até existir
mas você não vai querer usar
Toda cura para todo mal
Está no Hipoglós, no Merthiolate, Sonrisal"
(John - Pato Fu)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A Igreja como ela é - restauração da família

Baseado na obra de Nelson Rodrigues, conto aqui histórias que deveriam ser mentirosas, mas não são.

RESTAURAÇÃO DA FAMÍLIA

Periferia de Belém. Mais do que o casamento, a fiel cristã evangélica não aguentava mais carregar todo o peso do lar em suas costas. O marido bêbado e desempregado e os três filhos que teve com o alcoólatra crescendo e necessitando não só de alguma coisa pra comer e vestir, mas principalmente de uma estrutura pra mais tarde poderem usar aquele velho clichê com sinceridade em relação a família ser a base de tudo e tal. Tudo isso fez com que a fiel procurasse ajuda do pastor que pregava coisas tão emocionantes aos sábados em que ela conseguia ir à igreja carregando sua prole consigo.

Ela começou a fazer o tratamento espiritual sempre indo só à casa do Pastor que ficava num bairro distante dali. Ia lá porque a capela estava ainda em construção, e no lugarejo em que morava não havia espaço apropriado para uma conversa e uma experiência de oração tão sensível como a que estava posta. Para conseguir participar, ela deixava os moleques na casa da mãe. Enquanto o marido estava numa sarjeta qualquer tomando todas ela estava orando junto com o Pastor na casa dele, orando, chorando ou ambas as coisas (na maioria das vezes).

Mas, sem qualquer motivo e imersos a muita culpa, os interesses dela passaram a mudar à medida em que o tratamento ia ganhando contornos de intimidade. Em seus pensamentos, pelo menos, a partir da terceira sessão já não se tinha a real medida de quando começava a fiel e terminava a infiel. Os olhares deles, mais do que qualquer palavra, passaram a se cruzar. No início, cada um se perguntava "será?". Mas logo cada um se perguntava "será que alguém viu?".

Depois de dois meses de tratamento, a palavra "restauração familiar" não era mais discutida entre eles. Na verdade, nem ao trabalho de orar eles se davam. Quando não estavam transando com aquele misto de prazer e pecado que só aumentava a intensidade do orgasmo que tinham, estavam discutindo como sair do armário.

O pastor saiu daquele bairro. Ela saiu daquele casamento. A fiel voltou a ser fiel. E ao interior que foi, o pastor continuava pregando a indissolubilidade radical do casamento. As vezes até usava um daqueles três filhos que ganhou em sua família pré-moldada como exemplo da necessidade do matrimônio sólido, conforme diz a Bíblia. Amém!