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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Luta de Classes. Parte 1 de 3



Precisando de grana pra pagar o cursinho, Augusto teve de arrumar emprego logo. Um amigo dele conseguiu uma vaga como ajudante numa empresa especializada em aplicar impermeabilizantes na construção civil. Em seu primeiro dia de trabalho ele chegou atrasado. Ligou para o chefe que pediu pra ele ir até o primeiro piso onde ficava a piscina. Era um prédio de 12 andares recentemente entregue, com praticamente todos os apartamentos ocupados, cheios de gente de classe média puta com o serviço ruim da construtora por não entregar o imóvel sem ter piscina vazando.

“Guto” se identificou ao porteiro com seu crachá provisório e chegou ao elevador. Eram dois, na verdade. Pegou o de serviço sem reparar na diferença entre um e outro. Errou o andar. Foi parar no segundo piso. Desceu e apanhou o social. Nele desciam uma mulher e a filha dela. “Pra quê tem elevador de serviço?”, provocou a dondoca, irritada com a presença dele, que se olhou no espelho e se perguntou por que ela havia reparado que ele era empregado. No bairro da cabanagem (periferia de Belém) onde ele mora todo mundo perguntou se ele faria exame de fezes, de tão arrumado. “Será que tenho tanta cara assim de pobre?”, se questionou.

A crise interna dele foi interrompida por aquele rosto. A filha dela, com seus olhos verdes como o mar, os cabelos tipo os das moças das novelas, loiro, sedoso, brilhante, surpreendentemente saudável emitiu um sorriso parcial, meio que pedindo perdão pela mãe. Tudo passou muito rápido e ele desceu, trocou de roupa no banheiro dos empregados e foi trabalhar. Não era muito difícil a sua tarefa. Esfregar um produto de forma organizada e padronizada rápido o suficiente para que ele não secasse até estar corretamente espalhado.

Depois do trabalho a coluna dele conversava com a vontade dele de ganhar dinheiro sobre a necessidade de ir logo pensando em outra coisa melhor para fazer. A menina branca aparecera de novo. Sentada num banco diante de uma piscina vazia e em reforma. Ele precisou pegar seu par de sandálias esquecido num banco quase ao lado dela. Depois do episódio do elevador ele ficou se sentindo um lixo fora da lixeira, por isso não tinha a menor autoestima para cumprimentos. Ele apanhou o objeto e voltou sem levantar a cabeça. “Agora eu entendo”, ouviu uma voz falar atrás de si. “Oi?”, falou Guto voltando-se a ela. “Queria entender de onde tava vindo esse fedor de chulé”, descontraiu a garota. Ele voltou. Pegou os chinelos dela, jogou pra longe e brincou: “Pronto. Agora vai passar”. Os dois riram. Quando perceberam estavam sentados conversando sobre música, filmes.

De repente, já passava das oito da noite. Conversaram bastante, mas ele precisava ir embora. Ela perguntou onde ele morava. "Cabanagem", respondeu. “Eu te levo lá”. Se ofereceu ela. “Não pode.” Determinou ele. “Ué, por quê?”, se espantou a moça. “Porque não posso subir no carro de estranhas. Minha mãe não deixa”, provocou. Ela sorriu e pra Guto foi como se o mundo tivesse no pause. “Meu nome é Yasmin”, se apresentou ela e estendeu a mão. Ele segurou. “Prazer”, saldou a jovem. Ele disse o próprio nome, a puxou, deu um beijo no rosto, respondeu “satisfação”, em seguida a puxou para um abraço e sussurrou ao ouvido dela: “Me ensinaram que o prazer vem depois”. Ela tentou disfarçar ter gostado da surpresa e o chamou para ir até o aparamento dela buscar as chaves do veículo.

Quando abriu a porta a mãe dela estava na sala. Ele a viu sentada de costas para ele no sofá. Guto não queria entrar, mas Yasmin insistiu. Ele mentiu que havia esquecido mais uma coisa na piscina e para não atrasá-los precisava descer para buscar. A moça argumentou que buscava as chaves num instante, e depois pegariam juntos o objeto na piscina, e já se preparava para falar mais argumentos quando foi interrompida pela dona. “Yasmin, venha cá”. Os dois se olharam. A pele dela de repente ficou branca de novo, os olhos dela eram de novo verdes, o apartamento dela pareceu coisa de rico e ele lembrou nem sonha em ter carro tão cedo. Ela voltou a perceber a pele negra dele, os cabelos “ruins” dele, a roupa com os panos desbotados de tantas lavagens dele e umas manchas de pele estranhas na face dele.

Ela entrou no apartamento sem dizer nada, mas deixou a porta entreaberta. Ele chamou o elevador. Chegou o social, mas ele não quis entrar. Chamou de novo. Ela saiu do apartamento. Ele já havia descido as escadas pensando se no outro dia voltaria ou não àquele trabalho escroto.


Continua...

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Formas de curtir no Feicibuqui




Quase cientificamente falando, "Curtir" no feicibuqui pode ser*:

1-Curti mas não vou comentar porque não tenho nada a dizer no momento a altura disto;

2-Curti mas isso também não é lá essas coisas pra merecer comentário;

3-Curti muito não, mas como eu vou com a tua cara vou te dar essa forcinha;

4-Curti não, mas como você me curtiu também vou te curtir por gratidão;

5-Curti, mas só pra você saber que não gostei do comentário dessa vagabunda em seu Fêici. Aguarde a DR;

6-Curti pra te dar uma força naquela promoção;

7-Curti como forma de gratidão ao seu comentário;

8-Curti, mas não cliquei no botão por vergonha de você descobrir que curti;

9-Curti pra você reparar em mim;

10-Curti mesmo.

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*Baseado em algo que já escrevi certa vez em meu Fêici.
Imagem do genial TonhOliveira

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Sobre gostar de sofrer


“Tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor
Renato Russo

“O meu delírio é experiência com coisas reais”
Belchior

Eu gosto de sofrer, ir ao fundo do poço, chorar, me desesperar, me sentir inútil, um lixo, um grande pedaço de bosta, um idiota quando finalmente chega a época. Sim, eu gosto. Experimento a dor como quem fuma uma maconha, como quem chupa uma língua volumosa e deliciosamente saliente em minha boca, como quem resiste até o fim antes de morder o pirulito, como aquela transa na qual a gente não quer gozar nunca. Afinal de contas, a felicidade é o Super-Homem, a dor é o Batman; As coisas boas da vida são o Kid Abelha, as desgraças são a Legião Urbana; a bonança são “oncinha pintada, zebrinha listrada, coelhinho peludo”, o conflito é o “vão se foder”; as coisas que dão certo são o marido, as que dão erradas são o amante; a alegria é o Pierrô, o sofrimento é o Arlequim, e no carnaval da vida somos todos Colombina.

Custou, mas aprendi a conviver com meus próprios demônios, e ainda os acalento quando posso, com direito a por música deprê para eles ouvirem comigo. Não nego a mim a chance de quebrar a cara quando acho que algo vale a pena. Procuro não ter medo de me jogar do precipício, de arrebentar a cara. Eu não tenho a menor vergonha de chorar. Eu não procuro a dor, não nego que é ótimo estar bem, ser  chamado de comível, de inteligente, de amigo, fiel e coisas assim. Contudo, depressão é não querer dar colo pro desespero, tadinho. Eu já tive vontade de me matar, mas na hora exata não tive coragem, porque fui seduzido por minhas próprias lágrimas, saboreei o gosto salgado e fiz delas uma canção.

Não, eu não procuro coisas ruins, só parei de negar infantilmente a mim mesmo que elas existem. Uma hora o baile funk, o sertanejo universitário, o tecnomelody e o novo episódio dos Ursinhos Carinhosos acabam. Sempre acabam. Quando tudo acaba mergulhamos em nosso próprio poço, e nenhum deles é raso, só precisamos parar de ter medo de ir lá no fundo e voltar. Sempre podemos ir mais fundo, e sempre podemos voltar.