Estive sumido nos últimos dias porque fui à Espanha levando algumas certezas que foram confirmadas, outras reconstruídas, outras destruídas. Foi a minha primeira viagem para a Europa. Fui participar de um evento religioso que, apesar de ser católico, particularmente jamais pretendi ir: a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Minha formação pessoal, militante, intelectual, afetiva, teológica vem basicamente da Pastoral da Juventude (por isso o símbolo da PJ na lateral do blog). Tudo que sou e tenho hoje (inclusive este blog) veio em grande parte da minha experiência com Jesus Cristo atavés do canal PJ, inclusive a criticidade à própria estrutura imperial e feudal que a Igreja oficial emana ainda hoje do Vaticano. Nunca quis ir à JMJ porque considerava, e pude confirmar isso, uma apologia à figura central da Igreja de Roma e do Papa, uma espécie de demarcação nos bunbuns dos fiéis num imenso curral da marca do Papa.
A certeza que tive reconstruída é a de que sou Católico. A palavra "Católico", etimologicamente, refere-se ao todo, ao universal, ao sem fronteiras, ao além deste lugar em que estou. E pude ver isso lá, uma diversidade de idiomas, odores, peles, gestos, cantos, danças, com algo em comum que era a profissão católica e fé em Jesus, e quase mais nada em comum além disso. A confraternização, o cuidado cada um tinha um pelo outro numa multidão de 1,5 milhão de peregrinos presentes era de conquistar até mesmo o coração mais duro. Era impressionante como tudo ali exalava o perfume mais belo da diversidade humana, do direito sagrado de ser diferente, um perfeito exemplo de universalidade que desmoronava nos atos principais do evento, que eram completamente romanos. Era como se toda aquela diversidade de idiomas que falavam cada qual conforme sua língua materna e ainda sim se entendiam desmoronasse diante de uma língua única, um modelo superior de ser.
Eu tenho mais a dizer sobre tudo isso, mas pra não ser por demais prolixo gostaria de partilhar com vocês uma situação que para mim resumiu o que vivi, do ponto de vista espiritual, na JMJ. Durante a vigília em Quatro Ventos, a mais mal preparada que participei em minha vida de católico, uma amiga da RCC (de um seguimento pentecostal católico) e eu estávamos conversando sobre o que pensamos a respeito do Papa. Eu dizia a ela que imaginava que os homossexuais se sentiam ofendidos com algumas afirmações do Santo Padre, etc. Estava sentado num colchão que estava ao lado do dela. Uma hora ela saiu para falar algo com os amigos a uns metros dali e só me percebi fora do colchão já, a peso de empurrões de um padre, que praticamente me excomungou ali, sem ao menos me perguntar sobre o que de fato falávamos.
Eu sai de casa preparado pra tudo, menos para aquilo. Ali, no meio daquela multidão, naquele cenário forte, que batia forte nos sentidos e sentimentos de cada um, dada a dimensão superlativa daquela multidão, daquele espaço, daquele sacrifício quase vazio de sentido, eu pensei pela primeira vez na vida em sair da Igreja. Parecia que aquelas palavras, aqueles braços, era a Igreja me dizendo que eu não pertencia a ela, que não era querido por ela. Em nenhum momento, nos 15 dias de viagem, senti tanta vontade de voltar pra casa como naquele momento.
Mas logo depois, os padres Fernando, Wellington e Tiago, mesmo sem saber o que tinha me acontecido passaram a me tratar com um carinho diferente. O padre Fernando me ofereceu uma parte do seu colchão pra mim, que não tinha saco de dormir, apenas um lençol mais grosso que levei pra improvisar a dormida. Aí, me voltou à lembrança de porque sou católico, de que eu também sou igreja e toda criticidade que possuo eu aprendi na própria Igreja. Vivi o paradoxo da exclusão e do acolhimento nessa jornada. Voltei de lá mais católico, mas firme na minha fé e arraigado no Jesus Cristo Real, missionário, revolucionário, parceiro dos pobres, Deus dos oprimidos. Voltei para casa, trazendo na bagagem a certeza de onde é o meu lugar e qual a minha missão aqui. A Igreja que é do Papa e é minha também, quanto mais for menos romana, mais será católica.
(quem quiser ler uma visão militante disto, leia aqui)
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