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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Deus e o Diabo - Oração 2


Deus estava deitado no jardim. Flores, canto de pássaros e barulho do baile das águas eram captados pelos sentidos divinos do criador. Sob suas costas a grama recebia feliz o peso sublime do Todo-Poderoso enquanto um odor de enxofre passou a atrapalhar a santa harmonia daquele ambiente. Os passos inaudíveis do diabo seguiam pela planície paradisíaca, enquanto Deus via aproximar-se uma criatura do mal, de expressão tensa, não parecendo em nada com o semblante sarcástico tão típico do Beusebú.

- E depois? Me diga agora! O que acontecerá comigo depois do fim? Gritou o Diabo, com tanta raiva que haveria quem pensasse que ele lagrimava, caso houvesse lá alguém para assistir a discussão.

- Qual escravo tentaria com gritos ameaçar o senhor, o dono dos chicotes? Questionou Deus.

- Chega! Continuou gritando o tinhoso. Eu é que não vou ficar aqui babando ovo para suas parabolasinhas. Eu sou o mal que Tu, "Ó Pai", colocou no mundo, agi melhor do que qualquer criatura sua. Agilizei o processo do fim da humanidade e já estimulei a destruição do mundo que nos últimos três séculos se deteriorou mais do que em milhões de anos; inventei o sistema capitalista de produção e hoje em dia todos olham primeiro pra si, e depois jogam as migalhas para os outros; estabeleci como parceiros fiéis aquele povinho escroto que se auto-denominam americanos; fiz a mensagem do mal passar a ser mascaradamente passada inclusive nas igrejas que se dizem adoradores de Ti, e muito mais. Mas e depois? Depois eu simplesmente sumo? Do que meu trabalho vai adiantar se quando aquele seu filho metido voltar à Terra eu sumirei pra sempre?

- Pois eu vim te falar um coisa, seu Deus sádico metido a santinho, se eu não tiver garantia de que continuarei existindo, eu vou parar de ser o atual Rei do mundo, parar de ser o mal para equilibrar o seu bem, e aí eu quero ver como é que você vai testar quem merece ou não entrar no céu.

Deus levantou-se, caminhou até um rosal, vendou os olhos com um lenço amarelo e começou a balançar seus braços rapidamente sobre os galhos das rosas. Depois voltou para frente do Diabo e mostrou seus pulsos sangrando. Antes que o Coisa Ruim fizesse qualquer comentário Deus se desvendou e disse:

- Se até um cego sem muito esforço e planejamento encontra mais facilmente espinhos do que pétalas, me diga, será difícil arranjar quem queira fazer o mal?

O Cão dos Infernos então então virou-se de costas para o Bem Maior, e caminhando com seus passos imperceptíveis comentou:

- Me alegra saber que eu não vou ser a úinica criatura que você já disse que amou a pagar o preço por não se deixar levar por suas regras absurdas.

Antes de descer para as profundezas do inferno o Diabo ainda olhou pra trás uma vez, viu no rosto de Deus a lembrança de todas as escolhas que fez, e antes de cumir, gargalhando, com o sorriso amarelo banhado por lágrimas esbravejou:

- Já que eu não posso viver como você quer, morrerei e levarei tantos outros a morte como eu, e tão somente eu quero.

- Aquele que escolhe caminhar o dia todo sobre a mentira jamais poderá descansar sobre a verdade após o crepúsculo. Disse Deus, que após a conversa teve vontade de olhar o sol, uma de suas criações prediletas.
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Um comentário:

Eraldo Paulino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.