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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Nós e a Legião


"Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar
que tudo era pra sempre,

sem saber que o pra sempre sempre acaba" (R. Russo)

Ontem reencontrei um dos meus primeiros amigos de colégio, chamado Edinan, mais conhecido como Edinho. Foi ele quem me apresentou ao mundo dos video games. No auge do console Super Nintendo ele vivia desenhando (e muito bem) em seu caderno os personagens do jogo que era febre na época, Street Fighter 2, e pela curiosidade de saber de onde brotava toda aquela inspiração aceitei o convite dele e fui até uma locadora de vídeo games. Pagamos um real cada e jogamos por uma hora. Na verdade só ele jogou, eu só perdi. Pior. Deixei cair o joystick - crime!. Perdemos 15 min de nosso tempo. Depois disso eu passei a ir sozinho pra aprender. Aprendi.

Manhêêêê!!! Quero um Super Nintendo!

Dona Fátima suou e eu ganhei um. Virei fera. Era um dos melhores da rua.

Nesse meio tempo me distanciei de Edinan, por todos os motivos que todos estão cansados de saber: distância geográfica, de almas, de sortes, de corpos, etc.

Por ironia do destino eu virei dono de uma locadora de vídeo games anos depois. E voltamos a conviver nessa época. Mas não ficamos próximos como antes. Nós viramos rivais de vídeo game. Ficávamos horas disputando. Delícia ter algum bom desafio desse tipo. Não substituía o prazer de namorar e jogar bola, mas depois dessas coisas jogar com quem sabia jogar era o que mais gostava de fazer.

Anos depois, já quase no fim da era da locadora em minha casa, quando já não tinha o mesmo barato jogar vídeo games, inclusive, por um acaso nos pegamos conversando sobre Legião Urbana entre amigos em comum. Edinho já era fã da legião a mais de dez anos na época, e eu conhecia não fazia nem um ano. Ele, portanto, fazia parte daquela religião renatorrusseana que não só sabia de cor todas as letras como se orgulhava de ser um dos poucos que além de ouvir também entendiam o que diziam as letras densas da banda.

Quando ele percebeu que eu gostava e ainda comentava veio até minha casa no dia seguinte e puxou logo o assunto da legião. Depois eu percebi que ele veio na verdade me testar pra ver se eu poderia ser considerado membro da seita ou algo assim:

Edinho: Cara, o que você entende quando o Renato Russo canta "e lá em casa tem um poço, mas a água é muito limpa"?

Eu: Acredito que seja uma crítica ao egoísmo, como se eu estivesse dizendo que as pessoas não são dignas de minha ajuda, que minha solidariedade é maior do que qualquer um.

Edinho: O.o

Fui aprovado com folgas. Edinan não era porra nenhuma na época além de gostar a mais tempo de legião, mas passar no teste dele foi uma das coisas que mais me deu orgulho nessa vida. Senti que a partir dali eu poderia me considerar um legionário. Então, periodicamente nos reuníamos para fazermos as viagens existenciais que as letras de Manfredini proporcionam. Em nossa conversa era fácil se ouvir questionamentos como:

- Por que o mundo é assim?

- Por que esse país não vai pra frente?

- Por que vivemos num mundo tão cruel?

- Por que que a gente é assim?

Até que chegou um momento em que isso passou a ficar desgastante. Sabe quando você mesmo começa a se achar um chato? Ele saiu dessa viagem antes de mim. Eu demorei mais a me tocar que ficar numa viagem existencial de vez em quando é até saudável, mas viver permanente mente assim é assinar um contrato de exclusividade com a tristeza, a chatice e a depressão gratuitas. Nos distanciamos de novo. Ele parou de só questionar e passou a viver de lá, e eu também parei de me auto-flagelar e viver de cá. Como moramos próximos, nos vemos com certa frequência, mas daquela forma como todos os ex-amigos íntimos se falam, ou seja, numa fração de segundos que separa o oi da resposta passa o flash back de nossa história, e ao mesmo tempo fazemos um raciocínio lógico: distância + tempo = falta de entrosamento.

Nos encontramos no ponto de ônibus. Nos falamos normalmente - Fala! Eaí?! - cada um em seu próprio universo e sem descer de sua nave estelar . Nenhum de nós pareceu disposto a forçar uma intimidade em nome dos velhos tempos. Seria meio ridículo àquela altura, penso. Ao invés de perguntar se eu estou trabalhando/ em que, ele olhou a minha bolsa do trabalho, e eu ao invés de perguntar aonde ia, observei que ele tomou um ônibus para a universidade. Simples assim. Sem ter de passar pela frescura da formalidade obrigatória ele seguiu. Eu também. Enquanto isso, assustadoramente, o mundo continua girando.

13 comentários:

Batom e poesias disse...

"É preciso amar as pessoas
como se não houvesse amanhã
porque se você parar
pra pensar
na verdade
não há..."

Todos passam pelo tempo de filosofar acerca da existênica.
Faz parte do amadurecimento.
Ótima crônica.
bjs

Adison Ferrera disse...

Yes, eu também ouviu muito legião. Na miha história tem muita trilha sonora composta por Renato Russo e sua trupe..Mandou muito bem, meu querido!!

Luna Sanchez disse...

Eraldo,

Essas histórias, vivências, nos marcam para sempre, mesmo que a distância (física ou não) nos separe dos amigos.

Também tenho uma galeria de lembranças, de rostos, de risos e vozes, de gente que nunca mais vi...ou melhor : no meio do ano, encontrei uma ex colega de escola, no banco. Estava com uma amiga, me olhou, e antes que eu dissesse "Te conheço de algum lugar...", ela falou "Luuuuunaaaa!".

Rs

Nos abraçamos, e ela disse para a moça que a acompanhava : "Essa é a colega de quem te falei esses dias, que bateu boca com o professor de Biologia..."

Engraçado saber que fui lembrada e citada, anos depois, por causa de uma discussão, mas é a vida, enfim.

Uma das minhas preferidas, da Legião :

♪ "Vem depressa pra mim
que eu não sei esperar..." ♫

Dois beijos, moço. E viva o mundo de Platão. ;)

ℓυηα

Jamylle Bezerra disse...

Essas idas e vindas, esses encontros e desencontros fazem parte da vida. Eu também já passei por situações semelhantes e concordo quando você diz que a distância + tempo = falta de entrosamento!

Bom meio de semana pra vc!

MissUniversoPróprio disse...

Lembrei de "Que país é este??"

Pois é, querido, o mundo gira, e nós nos descobrimos indiferentes aos mundos alheios. Só nos resta nós e nossos umbigos. Infelizmente.

Grande beijo e obrigada por semore deixar um comentário musicado pra mim! Adoro! ;)

Eraldo Paulino disse...

Batom: é verdade que todos passamos por essa fase. Eu ainda não passei totalmente, só me esforço ao máximo pra não ser tão chato. bjs

Bené: Que honra tê-lo em minha casa, meu caro. Volte sempre! És muito bem vindo! E eu ainda amo por demais a Legião! A voz do Renato ainda é imbatível - ele apenas perdeu o posto de melhor letrista pra mim... hoje em dia considero o Arnaldo Antunes o melhor da geração oitentista.

Luna: Que bom saber que você não é bixo do mato como eu rsrs

Jamylle: Entre tudo o que você falou que faz parte da vida, eu prefiro as idas e vindas.

Jay e Ale: Obrigado pelo convite. Farei o posível pra corresponder a altura.

Miss: Fico lisongeado. Mesmo.

Déia disse...

Que pena!

Eu tenho amizades de 30 anos ( não espalhe rs)
Mas realmente precisam ser alimentadas!

bj

Luna Sanchez disse...

Opa, mas quem disse que não sou? Não aposte nisso, porque eu tenho uma tendência a fugir do mundo, adoro um silêncio, adoro espaço, poder ficar quieta, "fora da área ou desligada".

Tão bom, né?

* Vim te ler de novo, gosto daqui, gosto de ti.

Beijo.

ℓυηα

Tânia Meneghelli disse...

Oi Eraldo!

Olha, também acho que grande parte das vezes a vida vai determinando rumos que nos separam de grandes amigos. Mas nem sempre é assim.

Há dois anos atrás reencontrei algumas amigas, que fizeram parte da minha infância e adolescência. Esse reencontro se deu depois de quase 30 anos e foi genial. Porque tivemos a nítida sensação de que nunca houve afastamento nenhum. Foi engraçado como retomamos tudo automaticamente. E, desde então, não nos separamos mais. Nos vemos toda semana, em reuniões pra lá de animadas (aliás, hoje tem!).

Mas, de fato, há pessoas que se encaixam melhor no passado. Quando se perde a sintonia em função dos rumos distintos que se tomou, então o melhor é deixar apenas na lembrança, né?

Adorei o texto!

Beijoca!

Ananda disse...

é,infelizmente as vezes temos q nós separar de algumas pessoas,não é tão legal,cada um pega seu rumo,e as vezes fica algo estranho tentar retomar,as vezes não como é no caso da Tânia,é tive meus tempos de reflexão e ainda gosto pra carambah de legião,só não ando escutando tanto como antes,acho q a maioria das pessoas já teve né?

Anada disse...

falando em legião pleno natal ouvindo,...eu ,família..todo o povo reunido,ganhei um primo novo,e ele começou a crescer ouvindo legião..e não sei vc sabe akela vontade de escrever,me deu isso agora..desculpa aí,.o.O

Ananda disse...

falando em legião pleno natal ouvindo,...eu ,família..todo o povo reunido,ganhei um primo novo,e ele começou a crescer ouvindo legião..e não sei vc sabe akela vontade de escrever,me deu isso agora..desculpa aí,.o.O

ítalo puccini disse...

eu acho que as letras do renato retratam bastante isso, esse aproximar-se e afastar-se das pessoas. relação natural.

concordo contigo. uma viagem existencial assim é pra lá de boa. mas com limites era fica ainda melhor. e a distância ajuda nisso. gosto de ouvir legião, por vezes, seguidamente. por outras, ficar um tempo sem. é como a escrita. é bom escrever muito, bastante, distanciar-se do texto, e voltar a ele depois. as leitura serão outras que acrescentarão ao texto já formado.

parabéns pelo blog, grande abraço!