Baseado na obra de Nelson Rodrigues, conto aqui histórias que deveriam ser mentirosas, mas não são.
RESTAURAÇÃO DA FAMÍLIA
Periferia de Belém. Mais do que o casamento, a fiel cristã evangélica não aguentava mais carregar todo o peso do lar em suas costas. O marido bêbado e desempregado e os três filhos que teve com o alcoólatra crescendo e necessitando não só de alguma coisa pra comer e vestir, mas principalmente de uma estrutura pra mais tarde poderem usar aquele velho clichê com sinceridade em relação a família ser a base de tudo e tal. Tudo isso fez com que a fiel procurasse ajuda do pastor que pregava coisas tão emocionantes aos sábados em que ela conseguia ir à igreja carregando sua prole consigo.
Ela começou a fazer o tratamento espiritual sempre indo só à casa do Pastor que ficava num bairro distante dali. Ia lá porque a capela estava ainda em construção, e no lugarejo em que morava não havia espaço apropriado para uma conversa e uma experiência de oração tão sensível como a que estava posta. Para conseguir participar, ela deixava os moleques na casa da mãe. Enquanto o marido estava numa sarjeta qualquer tomando todas ela estava orando junto com o Pastor na casa dele, orando, chorando ou ambas as coisas (na maioria das vezes).
Mas, sem qualquer motivo e imersos a muita culpa, os interesses dela passaram a mudar à medida em que o tratamento ia ganhando contornos de intimidade. Em seus pensamentos, pelo menos, a partir da terceira sessão já não se tinha a real medida de quando começava a fiel e terminava a infiel. Os olhares deles, mais do que qualquer palavra, passaram a se cruzar. No início, cada um se perguntava "será?". Mas logo cada um se perguntava "será que alguém viu?".
Depois de dois meses de tratamento, a palavra "restauração familiar" não era mais discutida entre eles. Na verdade, nem ao trabalho de orar eles se davam. Quando não estavam transando com aquele misto de prazer e pecado que só aumentava a intensidade do orgasmo que tinham, estavam discutindo como sair do armário.
O pastor saiu daquele bairro. Ela saiu daquele casamento. A fiel voltou a ser fiel. E ao interior que foi, o pastor continuava pregando a indissolubilidade radical do casamento. As vezes até usava um daqueles três filhos que ganhou em sua família pré-moldada como exemplo da necessidade do matrimônio sólido, conforme diz a Bíblia. Amém!
12 comentários:
Eita que este assunto é tão complexo quanto verdadeiro...
=\
Bjos...
Tudo em nome do amor, meu caro... tdo em nome do amor...
Pelo menos com isso ela conseguir largar o bêbado imprestável...
beijos.
"Deus escreve certo por..."
Pois é, eis a prova!
=)
Beijo, beijo.
ℓυηα
Não a condeno faria o mesmo, nenhuma mulher sonha com bebados em sargetas!
BeijooO*
Retrato da vida, do ser humano!
Ninguém é obrigado a tolerar o que não quer ou de resistir à o que se quer!
Gostei muito!
Beijos
O amor e a voracidade possuem mesmo uma relação safada e sublime...concordo com você Eraldo e saiba que adorei a sua visita em meu cantinho romântico, seja sempre muito bem vindo...gosto demais de passear em tuas escritas.
Beijosss
é a igreja como ela é,sempre assim com suas histórias cabeludas.
E não é que a fiel cristã deu um jeito de ser feliz? Gostei do encaminhamento das coisas, pois é assim que a vida é: imprevisível.
Beijo, beijo, beeeeeijo, Eraldo!
Sempre há um risco sujo de Nelson Rodrigues por detrás das cortinas das belas casas e das belas fotografias, pode apostar.
Bjou
Eraldo, estou de casa nova e espero sua visita, meu endereço agora é http://rasurassobreviventes.blogspot.com
BeijooO* te aguardo!
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