Era a missa de casamento dela com ele. Ele, o noivo, estava no altar
todo contente. De certa forma, aquele momento era uma espécie de troféu para
quatro anos tentando conquistar aquela moça linda que, apesar de sempre ter
sido solteira e demonstrar carinho por ele, jamais quis namorar. Mas ele
conseguiu finalmente emplacar o namoro depois do primeiro e inacreditável
beijo. Menos de duas semanas depois disso já estava noivo. Passado um mês, lá
estava ele. No altar. Orgulhoso de si próprio. Um vencedor.
Diante do noivo, ele: o padre. Como era o único presbítero daquele
lugarejo, não havia outro a não ser ele para celebrar aquele matrimônio. Claro
que havia alguns fofoqueiros que só estavam naquela igreja pra procurar
defeitos, é verdade, mas todo mundo aparentava felicidade. Menos o padre. “O
que o senhor tem? Está passando mal?”, perguntou uma madrinha do altar, pouco
antes da cerimônia começar. O padre, sempre faceiro, estava muito sério. “Senti
uma pontada no coração, mas não se preocupe. Vai me fazer bem celebrar, tenho
certeza”, respondeu, já se saindo para a sacristia afim de vestir a batina.
Ao lado dele, o noivo, e um pouco abaixo dele, o padre, estava ela, a
noiva. Ela não chorava. Não sorria. Estava séria. Prestando bem atenção ao que
o presidente da celebração falava. A cerimônia seguiu normalmente. À medida que o tempo passava, o
semblante dela ia mudando, de passividade à raiva. Ele, o noivo, não
notava. Estava muito feliz. Ele, o padre, parecia olhar pra tudo menos nos olhos dela. Conforme o rito já conhecido, ele jurou fidelidade a ela na tristeza, na
doença e nas outras coisas. Depois do “aceito”, dele, o noivo, foi a vez dele,
o padre, perguntar a ela que antes de responder puxou uma arma debaixo do
vestido.
...
Era uma tarde quente da Amazônia quando finalmente o novo padre chegara
ao vilarejo. Recém-ordenado, ele foi visitar a casa da coordenadora da
comunidade, orgulhosa do fato de que todos os cinco filhos, quatro
homens e uma mulher, eram lideranças da igreja. Antes mesmo que o presbítero
chegasse, ele já havia se comprometido em ir primeiro a casa dela e depois ir à
igreja, tamanha era a moral da mulher. Os filhos na mesa batiam papo com
o sacerdote. A filha ajudava a servir. Num desses momentos a moça e o sacerdote se encararam. E ninguém viu quando ele chegou perto dela na cozinha, com o coração
palpitante, e sussurrou na orelha escondida sob os cabelos sedosos "você é muito linda!". Ela não fez cara de
espanto, ou de irritação. Ela sorriu discretamente desviando o olhar. E ele teve as boas vindas que queria.
...
Ela sentia dor. “Quer que eu pare?”, perguntou ele, todo preocupado.
“Pode vir, mas vem devagar, por favor. Não tenho toda a sua a experiência”,
respondia ela, recém-desvirginada, a ele, o padre. Antes disso, ele já tinha dito
saber que aquilo não era certo, mas estava apaixonado, por isso não
conseguia ficar longe dela. Ela disse à mãe que iria à capital. E para a comunidade o padre estava em retiro. Se encontraram numa cidade a 100 km dali.
Local onde seria ponto de encontro semanal dos dois a partir de então.
...
Ele, o pretendente, era muito querido por ela, a coordenadora da
comunidade. Ela queria que a filha casasse com ele. Posses. Trabalhador.
Família boa. Partido melhor não podia haver. Ela, a filha da líder comunitária, não o maltratava por causa da
mãe, mas achava ele um babaca. Chegava lá falando de como fez pra comprar o
carro novo, como era linda a fazenda, como era viajar de jatinho. Quando isso a irritava em demasia, mais tarde,
depois que ele ia embora, ela, a amante do padre, costumava entrar pelos fundos da casa
paroquial, e levar tapas na cara, puxadas no cabelo, mordidas no cangote e soltar berros sussurrantes de “Ai meu Deus!” involuntariamente enquanto gozava.
...
A menstruação atrasou. De repente ela viu a chance de finalmente ficar
com o ele, o padre. “Eu não posso assumir essa criança! Sou filho único e minha
mãe não aguentaria tanto desgosto”, inventou a melhor desculpa que pôde.
Durante duas semanas ela tentou convencê-lo de que poderiam ser felizes, e ele
já não conseguia mais ter criatividade para desculpas. Então ela, a futura mãe solteira, resolveu
tomar uma medida desesperada. Aceitou namorar com o panaca do pretendente, e aceitou
casar, desde que fosse logo. Ela arranjou tudo para o padre não ter tempo de fugir ou arrumar outro religioso para presidir a celebração. Ela não queria
esconder o filho ou coisa parecida, queria provocar ciúme. Ela
aguardava ele falar a qualquer momento pra parar com aquilo.
...
Com a arma na mão, ela
disse pra ele confessar que a amava. A igreja toda gritando, a velharada
correndo, gente desmaiando, o noivo se mijando, e o padre lá, covarde como era,
fingindo não entender nada. Aliviava o coração do homem de batina saber
que ele ao menos morreria ali, sem ter de conviver com aquela culpa. Diante do
silêncio dele, o padre, e das calças mijadas dele, o noivo, o tiro. Seco.
Escorreram do padre, as lágrimas. Do noivo, mais mijo. Pelo vestido, o sangue. Com um só tiro, várias vidas se perderam.
8 comentários:
#tenso mas lírico ...
bjão
↓
HE! HE! HE! HERÉ...TICOS estes padres!
Ig...argh! FoDEU-Se!
A igreja perDEU-Se de...
Abraço-tchê!
:o)
Polêmico. Chocante. Realista.
Este é o Eraldo que eu conheço. Senti saudades.
Beijos
Valeu o conto ler isso ;)
Bjão!
São uns fofos mesmo. Falam tanto da dualidade corpo/espírito que acabam vivendo a dualidade vida sacerdotal/ vida real.
Abraços duplos, caro Tonho!
Eu também senti tua falta, Pê!
Bjs!
Oi Eraldo! Já andei por aqui outro dia mas não consegui postar o comentário...espero que desta vez dê certo.
Vc se superando a cada nova história! Amei!!!
O tempo por aqui anda escasso, prometo colocar em dia as leituras e visitas vc é um dos poucos que realmente vale a pena parar e ler!
Bj :)
Estou encontrando alguma dificuldade com o meu blog em relação a alguns erros de formatação do meu blog. Estou tentando corrigir isso. Em relação a visitas em outros blogs, faço das suas as minhas palavras. Como o tempo para visitar blogs está cada vez mais complicado, escolher aqueles que realmente são interessantes é uma saída. Por isso que sempre vou ao teu cantinho.
Bjs!
Postar um comentário