JORNALISMO-URUBU
Desde criança sou fascinado por o urubu. Impressionava-me o tamanho daquelas asas pretas com pontas brancas. Não sabia porquê mas ficava um tempão olhando a forma como voava diferente dos outros pássaros, e tinha nojo
daquela cara feia, sobretudo quando ficava manchada pelo sangue da carniça devorada. Também era ainda um garotinho quando no início da década de 90 foi ao ar o jornal
“Aqui Agora” do SBT. Gil Gomes e companhia popularizaram e consolidaram na TV
brasileira uma forma de fazer jornalismo - importada dos istêitis - baseada na
superexploração da violência e na criminalização da pobreza para gente na
condição de pobre ver. E deu certo. Jornalismo em TV aberta hoje é
resumidamente isso. Mas eu desde cedo não assistia. Não ouvia programas de
rádio nessa linha. Não lia páginas de jornais ensanguentadas. Não curtia
jornalismo-urubu.
Continuo não assistindo e nem ouvindo, mas por 22 meses eu li. Como não ler quando
a primeira proposta para trabalhar numa redação de impresso, razão pela qual
sonhei me formar em jornalismo, foi justamente pra essa porra? Caí em tentação. Eu pequei por não
hesitar em responder sim? Não sei. Agora só consigo lembrar como uma fração de
segundo depois de teclar enter no Gtalk dizendo sim pra trabalhar no Caderno de
Polícia do Diário do Pará, imediatamente olhei assustado meu nariz crescer e juntar
com a boca virando um bico cumprido e curvado na pontinha. Meus cabelos caíram
e minha pele do pescoço pra cima enrugou. As pontas das minhas mãos ficaram
brancas, depois meus pelos começaram a engrossar a ponto de tornarem-se penas
pretas de luto. Minhas pernas afinaram ainda mais, entortaram pro outro lado; meus
braços viraram asas e sem muito esforço comecei a voar. Não demorou muito eu
comecei a avistar e desejar carniças.
Um comentário:
super interessante tudo isto ... acho q enriquece pacas a vida de qualquer um ...
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