Seguidores

Nuvem de Tags

sábado, 13 de outubro de 2012

Círio de Nazaré: Ao colo da Deusa



Parafraseando Heidegger, aonde quer que vamos estamos indo de volta pro colo da mãe. O Círio de Nazaré é muito disso. É uma espécie de carnaval de desobediência a nossa sociedade erguida sob forte influência do patriarcado, aonde foi forjada a imagem Deus como Pai. Como o menino, mesmo acreditando que ser dançarino é coisa de veado, mesmo assim vai lá e dança, nós acolhemos Nossa Senhora como o rosto materno de da divindade a qual tentaram limitar nas catequeses ou nos cultos. Porque Deus jamais vai deixar de ser a imagem e semelhança do povo. O Círio de Nazaré é o culto à mãe, à Deusa, ao sublime rosto feminino da humanidade.

Houve um tempo em que a humanidade era nômade. Nessa época as pessoas viviam de coleta, e tudo era comum entre todas e todos. Ali a figura cultuada como sagrada era a da Deusa, e os símbolos religiosos remetiam a partes típicas da mulher (seio, vulva, útero, etc.). Essa era a época do "Poder Com". Depois o homem passou a dominar técnicas de agropecuária, passou a ser senhor de territórios, até esses se tornarem parte de Estados e depois Impérios. A partir daí o homem instaurou o "Poder Sobre". O Deus então matou a Deusa. Deu-se a era dos tais homens fortes, na qual a mulher precisa ser secundária, dona de casa, mãe dos filhos, e só. Mais uma propriedade dos homens.

Mulher pagando promessa pela casa própria alcançada.
Há quem diga que a devoção a Maria de Nazaré é culto a Jesus, querendo limitar a figura mariana como sendo apenas mulher do sim e do silêncio. Alguns católicos doutrinalistas até podem ter essa fé, mas vai explicar ao fiel que só vai à igreja em batizados ou mesmo a umbandistas, aos proibidos de ser o que de fato são nas paróquias (como gays, lésbicas, travestis, etc.) que Maria intercede ao filho, para este levar o pedido ao Deus Pai, para só depois atender os desejos dos fiéis. Arrisco dizer que a maior parte do povo nem liga para essa “burocracia celestial”. Acreditar no poder da Mãe faz ano a ano milhares de romeiros caminharem quilômetros de outras cidades, uma multidão se espremer numa corda,  ou percorrer a romaria de joelhos. Tudo para pagar uma promessa, ou, simplesmente, pela mãe. Para a grande massa Nazica é poderosa e faz milagre. Pronto.

Trasladação - Procissão no dia que antecede o Círio, em que a santa vai até a igreja da Sé para sair à grande procissão
Saber que o festejo já dura mais de 200 anos e existe antes que a igreja do Papa o reconhecesse (chegando a proibi-lo em algumas épocas), é mais uma prova de como a figura da mulher plena jamais morreu. Além disso, é demonstração generosa de qual forma a força da tradição pode existir sem as amarras do tradicionalismo. Assim como ocorre na devoção à indígena Guadalupe ou à negra Aparecida, o culto à "Senhora de Nazaré" nasceu da força popular. Óbvio que a igreja tenta colher os louros, delimitar elementos profanos e sagrados na festa, mas não tem jeito: o Círio é do povo. Os elementos contidos em toda a grandiosidade do Círio, como corda, brinquedos de miriti, pratos típicos e etc., são em grande parte desobedientes às doutrinas carcomidas da igreja de Roma – que até hoje proíbe a mulher de ser sacerdote, por exemplo.

O Círio, embora também seja católico, é uma representação do quão a humanidade ganha resgatando a figura da deusa, pois a festa é sobretudo sinônimo de diversidade. Na programação (não oficial) do Círio há a Festa da Chiquita (de homossexuais), o Cirial (festival de rock independente promovido por muitos ateus), o Auto do Círio (encenação ao ar livre feito por artistas, cuja maioria nem católico é), Arrastão do Círio (festa folclórica) além de homenagens das religiões afro, da participação de fiéis de religiões orientais, etc. O Círio de Nazaré é a nossa homenagem à mãezinha. É deitar no colo dela e receber cafuné. É a devoção ao rosto materno de Deus, a face da inclusão e da tolerância.

*Todas as fotos são do meu amigo e fotógrafo Celso Rodrigues.

**(Texto originado da entrevista que fiz com a Xaveriana Ir. Tea Frigerio, assessora do CEBIestudiosa da Bíblia na Ótica da Mulher)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Rótulos



"Só não se perca ao entrar
no meu infinito particular"
(Antunes, Montes, Brown)

Os rótulos não preenchem a totalidade nem da mais rasa das pessoas. Certamente porque ninguém é raso a ponto de não ser extremamente profunda/o.
As pessoas são idiotas geniais, pacifistas atrozes, artistas insensíveis, safadas românticas, sábias arrogantes, e tudo mais disso que nem é mesmo isso.
Se as pessoas não fossem mais do que podemos compreender, não existiria literatura e a forma primária da escrita seria uma bula de remédio; e não existiria música, apenas gritos de desespero; e provavelmente não criaríamos arte antes de inventar a fórmula de Báskara.