Ele
escrevia contos de fada sobre ela. Fazia daqueles cachos castanhos o
travesseiro das suas palavras. E de lá, elas brotavam sorrateiras para
cada parte do violoncelo, que para ele, era o corpo dela.
Ela
aceitava aqueles olhares com a culpa de quem foi criada num jardim
aonde as flores eram proibidas de desabrochar. Tinha vontade de ir, mas
só quando já estava de volta. Sonhava com fogo sem ao menos poder ter
sido fagulha, e pedia perdão a Deus por imaginar que todas aquelas notas
que ele tocava eram sempre lá.
Nas
sobrancelhas levemente arqueadas pelo olhar temeroso, ele a observava
como se as palavras fizessem dela pôr-do-sol, início e fim ao mesmo
tempo, abrindo espaço para um eclipse que aconteceria adiante. Para ele,
nas pupilas dilatadas ela era o dragão fêmea, que inescrupuloso cuspia
fogo e fumaça em meio ao quarto vazio de tudo que não fosse os dois.
Ela
então passou a olhá-lo como quem abre a porta e a tocar nele como quem
abre as pernas. Sorria de tudo que ele falava, mirava tudo que ele fazia,
mas parecia que quanto mais ela andava menos saía do lugar. Era pecado
demais chegar e dizer que o queria. Na verdade, ela se culpava pelo simples fato de querer tanto, mas aquela brasa não parava de incendiar - e um
fogo que ela já não conseguia acreditar que aquecia os dois. Por que ele
não a tomava para si, se ela já era dele?

Ele,
confuso em meio àquilo que o corpo dela lhe dizia, se perdeu.
Afundou-se no conto de fadas do qual sonhara fazer parte, e pensou ver
sua musa musicista perder-se também nas notas, no fogo e no colchão,
deixando-o desnorteado. Ele fugiu então pelos labirintos de onde viera
até cruzar com os primeiros olhos castanhos que o esperavam na esquina.
Estes olhos, que de musa não eram, trouxeram-no à realidade que não
queria viver. Agora, era só o corpo, a culpa, a puta, o gozo, a roupa, a
polpa da noite que chegava ao fim.
Restou
a ela a rua da dor que todos percorrem quando a paixão é via de mão única.
Ele e a outra. Ela consigo. Ela, ela mesma, e ele nas lembranças. É o
que ela tinha, e o que ela era conforme se descobria. Todos aqueles
desejos fizeram com que ela achasse com as próprias mãos o caminho do
desejo em si mesma. Ela sonhava e a mão descia, apalpava, esfregava. O
dedo dentro. A mexida; o contorcer; o contorcer; o mexer; o entrar; o
arreganhar e apertar de pernas; o gemido que escapava; aquilo que veio
lá de dentro quando ela finalmente chegou. Ao abrir os olhos depois de
experimentar o orgasmo, ela viu os olhos que a observavam pela fresta da
porta que esquecera aberta. A mãe, ao perceber-se flagrada, foi rezar
como quem sente inveja, e a moça sentiu a vergonha de quem não se
arrepende.